quinta-feira, 14 de maio de 2020

Ser mãe!

  

"Mãe, você pode fazer como faz todos os dias?! E espera que eu vou parar para te olhar".
Acompanhá-la a descer a rua, sem saída, de bicicleta. E lá ao longe ela pára, vira, dá tchau, manda beijo, oferece abraço, às vezes grita "eu te amo" e segue.
Eu fico ali olhando. E vejo-a crescer. A mesma rua em que caminhava grávida, que cheguei da maternidade, que passeava com ela dentro do carrinho ou no sling, em que deu seus primeiros passos cambaleantes, em que correu para meus braços e de seu pai, em que saltitou, em que passeou com amigos do Relicário, em que passeou de bicicleta dentro da cestinha e depois na garupa, em que andou de bicicleta receando cair. E agora desce em disparada até desaparecer.
A mesma rua. A Ana Paula. O tempo. Que me faz lembrar de como foi. Que me mostra como é. Que há vislumbres do porvir.
Eu olho e agradeço.
A rua e por tudo que viceja nesta estrada. Pelas memórias contidas neste lugar.
A minha filha Ana Paula e à tudo que me provoca, me move e acolhe ao gestar, parir e poder acompanha-la no trajeto da vida.
Ao meu companheiro Alberto, pai de Ana Paula que ontem me presenteou com sapatinhos quentinhos feitos por suas mãos para meus pés gélidos e que me trouxe a possibilidade de ser mãe por duas vezes.

À minha mãe, minhas avós e bisavós, mulheres incríveis que estão em mim.
À mãe do Alberto, suas avós e bisavós que são parte de minha filha Ana Paula.
O trajeto de todas estas pessoas, seus caminhos, me deram a possibilidade de ser mãe.
Eu aqui nesta rua agradeço e do fundo de meu coração digo: "vai minha filha, e saiba que tua mãe estará sempre à te olhar". E ao dizer vejo minha mãe, minhas avós e todas as mulheres que vieram antes de mim à me abençoar.
Certa vez, quando morava com meus pais, fui viajar depois de recomendações, perguntas e temores de minha mãe. Ao desfazer minhas malas encontrei um bilhete pequenino escrito por minha mãe: "tenho medo, mas confio em você". Ali senti a bênção de minha mãe. A mesma bênção de quando ela chegava na casa de seus pais, beijava a mão de sua mãe e dizia: "Bênção minha mãe" e minha vó respondia "Deus te abençoe minha filha".
Vejo minha filha e ela me vê. E diz....
"mãe, você esta mais bonita hoje!"
"porque você está sorrindo bonito?".
"eu escrevi uma cartinha pra você, sozinha, sei que tem alguns erros, mas você disse que não se importa, gosta de receber algo que eu fiz".

Vixe minha filha! Tenho recebido tanto de ti e te oferecido mais um tanto nesta caminhada. Que a bênção de tuas ancestrais te dêem força e coragem para andares por teu próprio caminho, do seu jeito, "porque cada um tem seu jeitinho de ser, né mãe".

segunda-feira, 23 de março de 2020

O encontro com a La Loba

"Todas nós temos um anseio pelo que é selvagem. Existem poucos antídotos aceitos por nossa cultura para esse desejo ardente. Ensinaram-nos a ter vergonha desse tipo de aspiração. Deixamos crescer o cabelo e o usamos para esconder nossos sentimentos. No entanto, o espectro da Mulher Selvagem ainda nos espreita de dia e de noite. Não importa onde estejamos, a sombra que corre atrás de nós tem decididamente quatro patas".

Clarissa Pinkola Estés
Mulheres que correm com os Lobos

Este livro é precioso, é um bálsamo para a alma feminina. Está em minha cabeceira há treze anos e me acompanha em meus olhares pelo mundo. As histórias contidas ali são sementes há viver dentro de meu ser. Algumas estão aguardando na sementeira, outras já brotaram, e há aquelas que já deram frutos. Essas eu gosto de contar... Elas saem naturalmente de meus lábios... Estão em todo o meu ser... Meu corpo vibra... E assim sei que elas ressoam e podem chegar até você.

La Loba tem dado frutos em mim, tem feito eu tocar tambor, tomar banho de rio sem pudor, sentir o fluxo de vida que vem de minha menstruação e intensificado o poder de meus sonhos noturnos. 

Quando conto histórias me conecto com as pessoas através do olhar. Como agora, neste momento, não é possível, fiquei à beira do rio, fui cantando e sentindo, me conectando com todas as mulheres que habitam meu ser. E contei, de maneira visceral, como tem sido o encontro com minha alma feminina.

Se este conto ressoar em você, se te trouxer sonhos noturnos e você quiser um auxilio para adentrar o mundo encantando que mora em ti, saiba que eu estou aqui. Me conte. Me escreva. Terei prazer em desvendá-los para você. Amo desvendar sonhos, como amo contar histórias! 

Que tal perambular por aí?


sábado, 2 de novembro de 2019

A saudade e a bênção no dia dos Mortos

Hoje acordei com saudade.
Lembrei de minhas avós: Olga e Alvina.
Da reza, do tambor, do batuque, do sorvete e do benzimento.
Das histórias, do colo, do quintal, da costura e da vontade de ensinar.
Lembrei de meu avô João.
De sua estatura, da cantoria, do papagaio e do bigode.
E senti gratidão. O silêncio. A reverência. A alegria. E músicas ressoaram.

Aí veio a gestação de um bebê, menino, que ficou só um pouquinho em meu ventre.
Que fez eu ver de perto as dores da alma que as mulheres sentem ao estar no hospital juntamente com as mulheres que estão parindo. Que fez brotar em mim a certeza que eu poderia fazer este caminho de outra forma: em casa, sendo cuidada e amparada, acompanhada de perto por uma bruxa com suas poções mágicas, em silêncio e outras vezes com música alta,
Este menino que se anunciou em sonho. E em sonho também me contou que estava partindo. Nas águas do Rio Ganges.


Hoje eu fiz um pequeno bebê. E pensei em todas as mulheres que tiveram uma gestação pequenina. Eu fiz um cestinho e o coloquei juntamente com as fotografias de meus avós, de meus pais, de meu esposo e de minha filha.
Receba a minha benção, a de minha mãe, de minhas abuelas e de toda a nossa ancestralidade.
Amo-te pequenino. Estás sempre comigo. É uma honra ser sua mãe.

E uma vontade de semente plantou-se em meu ventre: reunir mulheres que queiram costurar, ponto por ponto seus pequeninos. Se você é uma mulher que tem este desejo, me conte e vamos nos encontrar.

Com amor, Gisele.
Mãe da Ana Paula e deste pequenino.
Filha de Vilmar Rech Becker e Maria Natalia Becker
Neta de João Becker e Alvina Rech Becker.
Neta de João dos Navegantes e Olga Martinha dos Navegantes.


sábado, 9 de março de 2019

Parindo


Sou mulher. Sinto-me parteira. Parideira. Do amanhecer. Do anoitecer. Quero me agachar. Ficar de cócoras. Pernas abertas. Próxima da terra. Sinto o sangue forte que brota de mim. Olho para o alto. Para o céu. Vejo ao longe. Meus pés estão fincados na terra. Nele há raízes fundas que adentram a terra. Me sinto parte. Firme. Mas meus olhos me chamam para o além daquela curva. Para as alturas. Minha alma vibra. Sente os pés tomando posse de seu lugar no mundo. Sente os olhos a ver o futuro, visionário, libertador. Me engrandeço. Sinto-me grande. Com todos aqueles que percorreram o caminho antes de mim. Com todos aqueles que vão vir depois de mim. Não sinto medo. Meu peito se abre. Meu cabelo está solto ao vento. Sou feita de passado. Há em mim bisavós, avós, pais e mães. Sou feita de futuro. Há em mim os filhos, os netos e bisnetos. E eu sou. Simplesmente sou. Feita de histórias que já são e que hão de vir. O presente que se ancora no passado e avista o futuro. Logo ali. Abro a porta. Olho a estrada. E simplesmente vou. Simplesmente estou.

Por Gisele Becker. Sentindo-se gravidissima, parindo a liberdade de ser quem se é.

O que vejo quando olho para meu corpo?

Dias destes estava num café e havia revistas disponíveis para leitura. Quando peguei, me assustei, e pensei "não é possível! continua igual". Dicas, receitas e tudo o mais: para se maquiar, para se portar, para as dietas, sobre homens, para alisar os cabelos. E eu fiquei ali, paralisada e me transportei para a adolescência: meu corpo magro, meus cabelos de Maria Bethania (que eu não conhecia na época, infelizmente), os seios pequeninos, as orelhas grandes, as sobrancelhas grossas, para meu corpo recoberto de pelos negros. O corpo feminino. O meu corpo. Que eu desgostava. Que eu queria transformar em outro corpo, aquele que aparecia nas revistas, nas novelas, o "padrão". O corpo que não era meu. Não era meu.

Quanto tempo demorei para perceber que tenho um corpo e que cada mulher tem o seu. Que cada homem tem o seu. Que cada criança tem o seu. E ele é único. Expressa em suas formas a vontade daquele ser que o habita.

As mulheres de ancas largas e seios fartos, repletas de água tem corpos que nos acolhem. Há ali mulheres da terra, onde põe a mão a vida brota. Na cozinha preparam especiarias que transformam uma casa num lar. As mulheres esguias, de boca grande, de pés saltitantes nos convidam a bailar, a soltar-se no ar e a gargalhar. As mulheres repletas de fogo nos impulsionam, nos convidam a ir à luta, a trilhar outros caminhos. As mulheres magras, ossudas, recolhidas, assentadas na terra nos levam para o casulo, para o ninho, para adentrarmos a nossa floresta. E há mulheres que carregam todas essas mulheres em si. Ou algumas delas.

De onde vem meus cabelos cheios e negros? E o dela que é liso e claro? E o da outra encaracolados, vibrantes? Ou ainda daquela outra grossos e ruivos? O que me conta? O que te conta? E o andar delicado, espevitado, pesado, leve? O que conta? As mãos finas, longas, grossas, pequenas, grandes, quentes, frias? Onde atuam? Como tocam? O que contam? A voz suave, grossa, rouca, áspera, fluida, soprosa? O que conta? E as pernas grossas, finas, tortas, torneadas? Para onde levam? O que  contam? E cada pedacinho do corpo? O que conta?


Certa feita estava num ritual de mulheres e fomos convidadas a ficar nuas. O constrangimento. O receio. Do olhar. Era noite. Chovia lá fora. Havia uma fogueira no centro do lugar. Só o barulho da mata a nos envolver. Uma a uma, vagarosamente as mulheres foram se despindo. Era como se tivéssemos tirando cascas, peles que nos envolviam e nos prendiam. Havia tanto medo ali. Tanta vergonha dos corpos. E aconteceu algo. Indescritível. E depois o nosso olhar era outro. Eu olhava para os corpos das mulheres que me rodeavam e só via beleza. O que havia mudado? Os corpos eram os mesmos. os olhos também. Meu olhar era outro.

Meu olhar. O teu olhar. O nosso olhar. Nós olhamos com todas as imagem que foram construídas dentro de nós. Com tudo aquilo que ouvimos, que nos contaram e nos mostraram de como deve ser o corpo feminino. Com todas as imagens de outdoor,  as músicas que falam de corpos, os olhares alheios, as fotografias de revista, os modelos de roupa padronizados, as piadas, as "brincadeiras", os padrões. Mas o ser humano não é padronizado. É único. E diverso. É, simplesmente é. E ao ser, revela. O que seu corpo revela sobre você? Que histórias estão registradas em cada pedacinho de seu corpo? Histórias antigas de mães, avós, bisavós? De pais, avôs, bisavôs? De sua infância, juventude? Do seu destino?

Como olha um olho que carrega em seu íntimo a beleza da vida que chegou até aqui e se revela em seu próprio corpo? Que não tem padrão. Que é belo simplesmente por ser. Como olha um olho que sabe da força que carrega este corpo na trajetória que percorreu? Que reconhece em cada transformação física, no transcorrer do tempo, a conquista do ser que agora é?

 Hoje recebi uma mensagem. De uma mulher que admiro. Que é bela, delicada e de uma força grandiosa. Que tem voz suave que penetra fundo em nossos corpos por sua intensidade e verdade. Que já passou dos cinquenta. Que em seu atuar no mundo traz leveza e força para os corpos. E que olhar-se no espelho sempre foi um desafio. Mas hoje, hoje foi um outro dia. Um outro olhar. Algo aconteceu. E ao acontecer ela lembrou de mim. Que honra ser lembra por uma mulher que se viu inteira, plena e bela.

"Estou naquela fase pinto novamente meus cabelos ou não. Hoje eu me olhei no espelho e vi que meus cabelos brancos estão clareando o meu rosto. E pela primeira vez eu olhei para meus cabelos, para minhas rugas, e adorei o que vi. E estou muito feliz".

Ao ouvir sua mensagem eu chorei. E desejei intensamente que todos os nossos corpos sejam libertos. Os corpos das meninas e dos meninos. Dos jovens. Dos velhos. Das mulheres e dos homens. De todos nós.

Gisele Becker

Obs.: Sobre a foto de minhas pernas. Estava voltando de Curitiba. Fazia muito calor. Sem ar condicionado. Engarrafamento. Cantávamos alegremente no carro. Ao nosso lado o mar. Paramos. Não havia roupa de banho. Roupa de banho? Entramos no mar como estávamos vestidos. Sem preocupações com relação ao nosso corpo. O sol estava se pondo. A vista era linda. Nos refrescamos e rimos muito. Foi um dos melhores banhos de mar da minha vida.  

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Simples Ser

Acordei bem cedo. Lá fora o escuro ainda predomina. Não sinto cansaço, nem sinto dor. A noite foi tranquila e de sono profundo. E acordo desperta. Sem vontade de ficar na cama mais um pouquinho, mais um pouquinho. Sabe como é? Então penso: oque fiz ontem que o dia me despertou assim? Vou contar.

Meu companheiro de jornada é irmão da Élida que tem um espaço denominado Simpples Ser. É um lugar simples e belo, onde somos bem recebidos e nos sentimos em casa. Lá há a prática de ioga e outras terapias. Só que não é na cidade onde moro, Joinville. É em Balneário Camboriu.

Faz quinze anos que conheço a Élida e em diferentes encontros de família tive a oportunidade de fazer ioga com ela. Um destes momentos foi bem especial: na praia, de manhã cedo, com o sol a despertar. E sempre houve no ioga que ela traz algo que eu não sabia bem o que era. E hoje eu sei: a arte de curar.

Arte de curar? Você deve estar perguntando: do que você está falando? Então, vamos lá. Recentemente li um livro sobre educação, do Humberto Rohden. A área em que atuo, ou pensando melhor, em que todos nós atuamos, conscientemente ou não. Mas essa é outra história. Ou não?! E lá encontrei uma pérola: que o ato de educar se dá quando fazemos o que vibra intensamente em nosso ser e assim ressoamos esta força para as outras pessoas, e aí, somente aí, se dá o ato de educar ou a arte de curar. Digo a arte de curar porque quando há ressonância de nossa vibração em outro ser, de maneira bela e verdadeira, o nosso ser se harmoniza, se reconstitui, se transforma, se cura.

E é exatamente isso que encontro nas "aulas de ioga" da Élida. Ela transcende o tempo e o espaço do "fazer ioga". Ali naquele lugar simples, em qualquer horário do dia, seu ser vibra de beleza, com tanta intensidade, cuidado e amor, que é possível curar.

Ontem estávamos lá. Eu, o Alberto (meu companheiro) e a Ana Paula, minha filha. Ela estava desenhando até que se aproximou e disse: "mamãe, eu estou com vontade de fazer aula". E fez. Com muito mais flexibilidade do que eu.



Gratidão Élida por ter me recebido nesta família como uma irmã.
Gratidão pelo amor que dedicas a minha filha.
Que este lugar continue à curar com simplicidade e grandiosidade.

Gisele Becker



segunda-feira, 5 de março de 2018

Os seis anos como germe da adolescência

"Mãe.... Tem mãe, tem filho, mãe, filho, mãe filho, mãe filho, mãe, mãe, mãe, mãe... Quando chega lá no primeiro, quem é a mãe do primeiro?" E eu, não vi outra saída à não ser responder "Só Deus sabe minha filha". E não pára por aí. "Mas Deus mora lá no céu!". Meu esposo entra na conversa "Filha, Deus mora em todo lugar". "Então como eu vou perguntar para ele?".


Esta pergunta, da minha filha de seis anos, abriu o meu baú de memórias e me levou para adolescência, lá pelos meus 15 anos, quando eu cheguei para minha mãe, católica, e disse: "Mãe, quem criou Deus?". Aliás, só para constar, minha filha já me fez esta pergunta numa viagem, no ano passado.

Puxa! O tal do Rudolf Steiner tinha mesmo um olhar aguçado para a vida. Você pode não conhecer ele. Tudo bem! Não vou aqui contar sobre ele, mas sobre o que ele observou e nos contou sobre o ser humano. Então. Vamos lá. A nossa biografia individual tem um ciclo de sete anos. E em cada ciclo, há um germe do que há de vir. Parece difícil, mas não é! Vamos devagar. Ele nos conta que nos sete primeiros anos de vida estamos desenvolvendo o nosso corpo físico, e quem gesta o nosso corpo físico é o nosso corpo vital. E isso é fácil de observar. Um recém nascido e uma criança de sete anos tem um crescimento e desenvolvimento corporal tão grande, que não acontece em nenhuma fase da vida. E quanto energia tem uma criança pequena! E a vitalidade?! Criança precisa de força vital para fazer este corpo. Pois bem! Teríamos muito o que falar desta fase, mas não é o foco deste texto. 
Continuando. Nos próximos sete anos o nosso corpo vital (da memória e dos hábitos) gesta nosso corpo astral. Astral? Sim, cores, a nossa alma, os nossos sentimentos ganham vida aqui. E por fim, lá pelos 14 anos nossa individualidade é gestada pelo corpo astral. E aí tenho certeza que todos nós temos memórias fortes deste tempo. Onde queremos saber a verdade sobre as coisas. Nós perguntamos. Buscamos o nosso lugar no mundo. Queremos nos identificar com algo, uma ideia, um grupo.

Pois bem. Você pode estar se perguntando: mas as crianças pequenas não tem sentimentos, ou individualidade?! É exatamente aí que a observação do Steiner é fantástica. Voltamos ao começo da história. Em cada ciclo de sete anos há um germe do que há por vir. Eu sei, eu já falei isso. E o que é agora?! Estes primeiros sete anos também podem ser divididos em três fases. E se dividirmos em três, encontraremos os adolescentes por volta dos cinco anos, ou melhor um germe da adolescência. Eu já lecionei para adolescentes e sempre brinco que a maior diferença é que o adolescente fica bravo com você por meses, e a crianças por minutos. Observe. Olhe com olhos de ver. E verás crianças querendo brincar em grupo, "coisas" de meninos e meninas, há a vergonha de se trocar na frente dos outros, fecha a porta, bate a porta (quem tm ou já teve filhos de seis anos sabe como é), fazem perguntas que nos deixam sem chão, surgem as brincadeiras com regras (e ai de quem quebrar as regras!), as brincadeiras são cheias de intenção, as perguntas tem muita elaboração, muito pensar e vem até o famoso tédio (ou extremo cansaço).

Atuo como professora (jardineira é como chamamos aqui) num Jardim de infância Waldorf, o Relicário de Luz. E vejo isso acontecer todos os dias. A frase que mais ouço é: "isso não é justo". Fico impressionada com a semelhança com os adolescentes para quem eu lecionava. Sim já lecionei História para os adolescentes. Ah! Já ia me esquecendo. Vem o enfrentamento. Parece que estão te testando. E em certo sentido estão mesmo. Querem saber se há coerência entre seus atos, sentimentos e pensamentos. (E como é difícil, não é?!) E as crianças nesta idade, assim como os adolescentes fazem desmoronar nossas certezas. Há uma individualidade que brota (aliás já é perceptível aos três anos ou aos oito meses, mas este é assunto para outro dia) e que ao se deparar com a individualidade do adulto, enfrenta, olha nos olhos e quer encontrar firmeza e verdade.  Ufa! Filhos. Crianças. Que desafio! Mas também quanta beleza há aí. Quanto o nosso dia a dia pode ser diferente se olharmos as crianças de cinco e seis anos por este prisma, e aproveitarmos para desvendar o mundo com elas. Olhar por seus olhos. 

Eu já havia me esquecido da pegunta. Minha filha me trouxe a pergunta de volta. Como um presente. Eu não tenho a resposta. Quem sabe a minha filha tenha. Ou não. Não sei. O que sei é que ela me faz olhar novamente, de outra maneira, com outras cores, com um novo olhar.

Gisele Becker
Mãe da Ana Paula e Professora do Relicário de Luz.